Só agora, aos 63 anos, começa a ficar nimbado de branco o cabelo do atleta e gentleman Wladimir Rodrigues dos Santos, o ponta-esquerda famoso pela elegância que vergou por nada menos que 806 vezes o “manto sagrado” corintiano em jogos oficiais. Uma façanha que nenhum outro jogador alcançou. Outra proeza é o corpo esguio, que parece pronto para entrar em campo, de quem nada e corre diariamente pelo condomínio onde tem uma confortável chácara, na Granja Viana. “O corpo é nossa casa, tem que ser bem tratado”, testemunha com a autoridade de quem conheceu alguns dos melhores preparadores físicos do país.
É com essa disposição que Wladimir se ajeita para ver a Seleção Brasileira nesta Copa do Mundo, e revela, nesta entrevista exclusiva à Circuito, sua confiança em Tite, que considera um dos dois melhores treinadores do país, mas franze a testa quando pensa na situação em geral do futebol no Brasil e no mundo. Para ele, o talento, característica dos brasileiros, cedeu espaço para o jogo “quadradão”, de planilha, mais feio, porém confortável para os técnicos e dirigentes, que assim mantêm mais controle sobre o grupo, e que no Brasil começou a ser introduzido por Carlos Alberto Parreira e hoje domina os campos.
Protagonista da Democracia Corinthiana, o maior movimento ideológico do futebol brasileiro, junto com outros craques como Sócrates, Casagrande e Zenon, Wladimir se considera um “socialista convicto, juramentado” e nunca se nega a falar de política. Não perdeu a chance de desancar os dirigentes do país e também do futebol. Mas o pai do lateral direito Gabriel, da arquiteta Julia e da administradora Ludmila garante que não perdeu a esperança no país que os filhos vão herdar: “Se o povo puder se manifestar e houver democracia, o Brasil cresce de novo”. Da beira de sua vistosa piscina, parando, às vezes, para petecar a bola para as fotos de capa, Wladimir explica como aconteceu a “europeização” do futebol brasileiro, fala da seleção “desconhecida”, de racismo, dos seus planos de sócio em escola de futebol, do amor pelo lugar onde mora e das emoções incontroláveis que acontecem numa partida de futebol.
É verdade que você nunca foi expulso de um jogo ou isso é lenda urbana?
(Risos) Eu fui expulso uma vez, num jogo do Corinthians contra a Portuguesa, no campo deles. Porque um companheiro, que estava próximo de mim, xingou o juiz. O juiz olhou assim e pensou que fosse eu. Falou “pode sair”. Eu disse “eu?”. E ele: “é, você mesmo, pode sair”. Eu disse que não falei nada, mas ele não deu chance, “pode sair”.
Ainda assim, uma façanha para quem dava os seus famosos carrinhos e, só pelo Corinthians, jogou 806 partidas…
Pois é, a minha característica na marcação é o carrinho. Era certeiro, os pontas ficavam doidos, porque eles iam cruzar e eu, vupt, atrapalhava tudo. Eu tinha uma boa elasticidade, né? Nunca deram falta porque, se eu não tivesse certeza de que ia na bola eu não dava carrinho, senão ia ficar sentado no chão. Eu acho que futebol tem que jogar limpo em todos os sentidos, o que tem que prevalecer é o talento, a capacidade de resolver a jogada ali em fração de segundo. Nunca valorizei oportunistas, o cara que se vale da malandragem. Nunca machuquei dando carrinho e, graças a Deus, também nunca fui machucado, porque quando você entra numa jogada com maldade a tendência é machucar o outro e se machucar também. Ou então despertar o interesse do adversário em querer te machucar.
Você nunca foi bad boy em campo?
Para dizer a verdade, uma vez eu machuquei quando um cara me ofendeu, lá em Brasília, no CEUB. O cara me ofendeu e eu dei uma voadora, peguei a bola e a canela dele, tirei ele de campo. Aí depois me arrependi, né? Não devia.
Como ele te ofendeu?
Ele falou “seu macaco, só podia ser macaco, só podia ser preto”. Racismo mesmo. Isso me tirou do sério, porque eu estava ganhando todas dele, aí ele resolveu me intimidar desse jeito. O preconceito normalmente aparece num momento de disputa, de enfrentamento, é aí que as pessoas manifestam o que pensam, a cabeça fica quente pra todo mundo.
O racismo ainda é grande no futebol?
Isso existe, com certeza. Parte do povo brasileiro é preconceituosa, eles têm, ainda, o negro como escravo. A escravidão acabou faz muito pouco tempo no Brasil, pouco tempo para esquecer a forma como o negro chegou, subserviente, sequestrado e trazido contra a vontade nos navios negreiros. O Brasil foi o último país a abolir a escravidão.
Tem assistido muito futebol?
Confesso que tenho visto pouco, e que estou cético em relação à evolução da técnica e da condição dos atletas, dos nossos e também internacionalmente. No futebol, a gente está vivendo uma grande entressafra e vê poucos jogadores diferenciados. Quem se acostumou a ver jogador diferenciado, como foi a minha geração e a geração que me antecedeu, fica meio assim com o que se vê hoje. Veja os jogadores eleitos os melhores do mundo, eles se repetem, não surge alguém com capacidade de superar o outro. O que a gente está vivendo é realmente uma grande entressafra.
E a seleção nesta Copa, o que acha? Meio desconhecida, não é?
É, acho que essa é a seleção mais desconhecida da história do Brasil (risos). O Tite está até indo para a televisão dar o perfil de cada um. Mas são jogadores que fizeram algum sucesso aqui ou lá fora. É, como eu disse, o que acontece é que infelizmente o Brasil vive a maior entressafra da sua história. Eu diria que hoje há pouquíssimos jogadores, quase nenhum aqui no Brasil com essa possibilidade de servir à seleção. Pode até ter, mas é difícil achar.
Dos 23 convocados, 20 estão na Europa
Então, na minha época 99% jogava aqui. Acho que isso acontece porque se pressupõe que o jogador que vai para a Europa é melhor do que os que estão aqui, é esse o raciocínio da CBF, por exemplo, que é quem decide, na verdade, o destino dos atletas com relação à seleção.
O que você faria de diferente do Tite se você fosse o treinador?
Eu acho que teria pouco para fazer além disso que ele está fazendo. Eu gostaria de ter uma seleção que representasse o Brasil na sua amplitude, e hoje você vê jogadores estrangeiros representando o Brasil. Eles são brasileiros, mas não vivem aqui, foram para lá muito jovens e, portanto, a formação mais importante deles está lá fora e aí acabam assimilando tudo o que acontece lá.
E o Tite? Que acha do trabalho dele?
Ele é um dos dois maiores treinadores brasileiros em atividade no momento. É ele e o (Fábio) Carille, que agora, quando passou pelo Corinthians, demonstrou uma competência ímpar.
O Tite está sendo muito exposto, em série de programas de TV, jornais, propagandas etc. E com um estilo meio coaching…
Acho que o Tite sentiu essa necessidade em relação ao grupo que tem. Esse grupo é muito carente, eu diria, e aí ele precisa estar o tempo todo estimulando essa possibilidade de despertar uma certa postura.
Que postura?
Há uma carência técnica mesmo. O técnico tem que tomar as rédeas para evitar a formação de grupinhos, tem que estar unido. Na verdade, cada momento é um. Hoje, com essa entressafra, tem que ser uma tática bem diferente daquela que tinha o Brandão, o Coutinho, o Telê, técnicos de outros tempos, porque esses tinham uma constelação à disposição, tinham, pelo menos, duas seleções, podiam escalar o banco inteiro que daria tudo certo. Na época a gente falava, pô, fulano não está jogando, ficou no banco? O técnico está de brincadeira… (risos)
E hoje, a seleção atual vai dar conta?
Bom, eu vejo com bastante otimismo, com satisfação essa forma de o Tite conduzir esse grupo, e ele tem realmente mudado muito pouco o time, tem mantido a base do grupo, penso que está no caminho certo.
Quem vai ser o nosso maior osso duro na Copa?
Os tradicionais, não é? Se pegar a Argentina, é sempre um adversário de respeito, é o maior deles na América do Sul, junto com o Uruguai. E há o futebol europeu, que, de certa forma, acabou se equivalendo ao “futebol total”, são os melhores. Na Europa, acho que Alemanha e Espanha são os mais difíceis, e talvez tenha a Inglaterra no caminho.
Na Copa passada houve o movimento “não vai ter Copa” e chegaram a xingar a presidenta na abertura, e agora o clima também está morno. O brasileiro se desencontrou da seleção?
Não é bem isso, é que corresponde ao momento. Acho que nesta Copa está todo mundo meio cético. O futebol é a expressão da cultura de um povo e reflete o momento do país. A maior representação cultural do brasileiro é o futebol, e ele está se distanciando do olhar e da visão da população. A gente costumava tratar os times da seleção brasileira como uma quase unanimidade, tinha um ou outro que o pessoal falava, pô, o que esse cara está fazendo na seleção? Hoje não, hoje se critica todo mundo, porque perdeu a identidade com o time.
Por que isso acontece?
O próprio futebol mudou e tem parte de culpa por isso. Antes era o talento que prevalecia, pura e simplesmente. Hoje é a capacidade do representante, do empresário, de tornar possível a trajetória de um ou outro jogador.
E o torcedor percebe isso?
As pessoas vão se dando conta de que o talento não prevalece, mas sim o preço, salário alto etc. Hoje você pode muito bem fantasiar o talento de um jogador e proporcionar uma carreira para ele com base em outros critérios, então o pessoal, o torcedor, olha para o sistema todo meio na defensiva. Os negócios com o futebol estão muito mais aparentes e muito mais fortes. Como você vai se identificar com algo que você não concorda, que é esquisito?
Mas o dinheiro também pode trazer coisas boas, como os bons times patrocinados pelos árabes na Europa…
Esse dinheiro é que está levando esse talento brasileiro para fora. Ele colabora para que o paradigma seja mais comercial, o negócio, do que o futebol em si.
Isso interfere no jeito brasileiro de jogar, se é que ainda há um?
Havia, hoje não mais, porque virou uma mistura, né? Antes era o drible, a capacidade que o jogador tinha de inventar uma jogada, num gesto ele deixava o adversário para trás. E hoje, com a europeização do futebol, você tem um monte de toque de bola sem expressão nenhuma, sem avanço nenhum, não, pera aí, toca para cá, pra lá, volta para o goleiro… Isso tudo é europeu, é o paradigma que dominou. No Brasil, antes, cada jogador que pegasse a bola tinha que saber o que fazer como ela.
E por que o futebol mudou desse jeito?
No caso do Brasil, isso acabou vindo com o (Carlos Alberto) Parreira, né? Ele é que argumentava que o jogador brasileiro já não é mais o mesmo, já não tem mais criatividade, então tinha que ter uma alternativa, e a alternativa encontrada foi essa: se quiser atrasar para o goleiro, o jogador atrasa, para recomeçar a jogada. Não dá certo porque não enche os olhos de quem está assistindo.
E onde está hoje o talento?
Tem jogador que dá gosto de ver. O Neymar, por exemplo. Mas só ele. Quem teve Garrincha, Tostão, Pelé, Ademir da Guia… Nossa Senhora. E até Cafuringa (ex-jogador do Fluminense), que nem titular da seleção foi, ali pelo lado direito, eu que marcava ele é que vi o quanto ele sabia, fazia uma improvisação a cada momento. Era tanto talento que um jogador com a capacidade do Ademir da Guia não tinha espaço na seleção, porque tinha Gerson, Rivelino e Pelé, além de Zico, Carpegiani.
E aí desandou.
Aí europeizou. Eles tinham que encontrar uma forma de superar o futebol brasileiro, o nosso talento, e conseguiram. Vieram com a tática, com o posicionamento etc. E muitos treinadores saem do Brasil e se formam lá. Isso foge da nossa essência. Mas veja que quem se destaca é quem sai dessa coisa quadradona. Olha Messi, o Cristiano Ronaldo, olha o talento fantástico deles, se destacam por causa da habilidade, do talento.
Mas quem se beneficia com essa europeização?
A comissão técnica, não é? O treinador, para se garantir no emprego, monta esquemas para tomar conta, não perder o controle, e isso não só no Brasil. Só que eu acho que eles não têm para onde correr. Ou eles estabelecem que a melhor defesa é o ataque, ou seja, tem que empurrar o seu adversário lá na defesa, ou vai se submeter a esse jogo dos cartolas de tirar treinador a cada momento.
E o que tem que ser feito?
Investir na base, no jogador em início da carreira, no menino que tem talento, é o que vai salvar.
Por que a base é tão maltratada?
Eu também acho um equívoco, um absurdo, porque é ali que se forma o patrimônio do clube. Se o time forma atletas com o seu perfil de administração, de pensamento, de sentimento, com certeza vai ter um fiel representante, mas, infelizmente, hoje se forma jogador para ganhar dinheiro. A forma de os dirigentes ganharem dinheiro hoje é quando eles vendem um jogador. Deixar de investir na base é lamentável, é falta de visão mesmo, mas, infelizmente, a maioria dos dirigentes quer o retorno imediato do investimento.
Se você fosse um jogador em início de carreira, qual seria um bom clube para iniciar?
(Longa pausa) Hoje eu diria que é o Santos. Se bem que o Santos também não consegue segurar jogador, mas foi o time que mais jogadores diferenciados formou em todos os tempos.
E o que tem ali de diferente?
O Santos tem na sua estrutura, na base, vários ex-jogadores, então mantém o DNA ali. No Corinthians, por exemplo, a gente, ex-atletas, não tem espaço. Você vai na base e não encontra alguém que foi atleta do clube. Quando eu cheguei lá foi muito diferente, tinha Baltazar, Luizinho, Pequeno Polegar, Dino Pavão, o “Rato”, que era o José Castelli… todos eles tinham sido referências no clube e nós lá no meio deles, eram um espelho para a gente, e hoje é só o Santos que faz isso. Por isso acho que o Santos seria o melhor para entrar. O ex-jogador vê o garoto pegar na bola e diz: esse aí é diferenciado. É o olho de quem está vendo futebol, e não cifrões correndo atrás da bola.
Você foi um dos líderes da Democracia Corinthiana, uma experiência de gestão inovadora na década de 1980 (os funcionários do clube tomavam decisões em conjunto com a diretoria, votando). O que sobrou hoje dessa experiência?
Muito pouco. Foi um momento histórico da nossa carreira e da nossa vida. Eu sempre fui idealista e sempre acreditei que o Brasil pudesse ser melhor. E aí a gente acabou derrapando com um monte de oportunistas de plantão que se valeram demais da política e dos benefícios que a política proporciona, e aí esqueceram do povo, da população, e começaram a advogar em causa própria.
Você está falando da época da Democracia Corinthiana ou do Brasil como um todo?
Do Brasil como um todo, do Brasil em geral, as coisas estão ligadas. A gente tinha essa aspiração de tornar o Brasil cada vez mais para os brasileiros, havia um momento histórico em que a gente queria deixar para trás a ditadura militar. E o universo do futebol tem muito autoritarismo também, os clubes têm lá os seus mandatários e, na verdade, quase sempre eles não entendem nada de futebol, estão ali para se beneficiar. O futebol é um grande negócio.
Ninguém mais pensou em fazer algo assim naquela época?
Só o Flamengo do Zico e do Júnior. Eles tinham esse mesmo espaço, essa cooperação com a administração do clube que a gente tinha aqui. Só eles conseguiram esse diálogo e essa participação dos atletas nas decisões do clube. Mais ninguém, porque no universo do futebol é um cara cheio de dinheiro que assume o clube e acha que ele é que tem que ser absoluto lá. Na democracia, o Corinthians tinha uma diretoria, o Adilson Monteiro Alves, que era o vice-presidente, e era um democrata convicto, um sociólogo de extrema sensibilidade a essa participação do povo. A gente criou isso naquele momento em que o povo aspirava a redemocratizar o país, ou seja, fazer com que o povo voltasse a eleger os seus representantes, a gente ali no Corinthians também acabou representando isso, mostrando para a população e, principalmente, para os corintianos essa importância, que era participar dos meios decisórios da sua microssociedade.
Mas os clubes continuam do mesmo jeito, não é? O que mudou? A Lei Pelé, por exemplo, mudou em alguma coisa o cenário?
Não, a Lei Pelé ainda é escravagista. Ela contribuiu com uma coisa: acabou com a lei do passe. Antes, o atleta terminava o contrato, mas tinha vínculo com o clube, dependia do clube para continuar a sua carreira. Hoje, não. Acabou o contrato, você está livre, pode fazer o que quiser. Era um vínculo absurdo, o atleta não tinha liberdade de ir e vir.
Você sempre teve opinião firme sobre política. Por que jogadores falam pouco sobre isso?
É porque é um sistema despolitizado. Acho que 90% dos jogadores são condicionados, educados só para jogar futebol. Não conseguem exercer o seu papel de cidadão, não têm como postura criticar alguém que eles acreditam que está acima deles. E para quem está ensinando esses jogadores, interessa manter o autoritarismo, tipo “aqui quem nada sou eu e o que eu quero é que tem que ser feito e aceito”. Mas o treinador tem que ter consciência de que ele não faz gol, não defende, ele só orienta. Eu, por exemplo, entrava em campo e não olhava nem para o banco. Ou eu realizava em fração de segundo aquilo que eu achava que tinha que fazer com a bola, ou então era melhor eu fazer outra coisa na vida.
A europeização do futebol “enquadrou” os jogadores?
Olha, esse negócio de ficar em campo pensando naquilo que você treinou, na minha época não existia isso. A gente nem fazia jogada ensaiada, porque você está treinando sem adversário, sem ninguém que te acompanhe, então é muito simples. Muito diferente de ter alguém te pressionando, te dando um carrinho. Então eu acho que o futebol mudou nesse aspecto, alguém querendo monitorar o grupo, tirando a criatividade. Queria ver um treinador chegar para um Gerson, um Rivelino, um Pelé e dizer “olha, eu quero que você faça…”. Pô, os caras até atrelavam com o treinador, entendeu? E hoje, não, essa subserviência tirou a autonomia do jogador. A base já está orientada para instruir os jogadores dessa forma servil. Isso, é preciso dizer, se distancia da essência do nosso futebol, da nossa realidade e não tem nada a ver com a nossa história. Isso é a europeização do futebol brasileiro.
E por causa disso acaba tendo gente despolitizada?
Acaba tendo gente condicionada, educada para servir, obedecer, difícil acontecer o contrário.
Você já foi candidato a vereador (em 2008, pelo PC do B). Considera ser candidato de novo?
Não quero mais saber. Na pouca experiência que tive como candidato, vi que ou você compra o voto das pessoas, ou tem uma estrutura própria que possa bancar uma campanha. Se não for assim, esquece. Eu me lembro de uma reunião com o grupo que trabalhava comigo na campanha. Um deles levantou e me cobrou algo que não tinha nada a ver com o programa do partido, cobrou como se fosse uma coisa normal, que já estivesse acostumado, que, em sendo eleito, houvesse emprego para o pessoal dele. Aí eu falei: olha tem muita gente trabalhando porque simpatiza comigo, e eu não prometi nada para eles, tenho amigos para os quais não prometi nada, por que eu iria prometer para você? É que esse cara tinha um grupo de pessoas que se diziam corintianas e queriam me ajudar, eu disse tudo bem, mas aí ele veio com essa de dar emprego, aí eu falei não, pode tirar seu pessoal que não vai ser assim.
Desanimou?
Eu não tenho mais um projeto específico, não acredito que eu vá conseguir mudar, interferir nesse processo de comportamento da população brasileira, uma aspiração que eu tinha antes, porque fui idealista ao extremo. Mas eu me considero um socialista convicto, juramentado, continuo acreditando que as pessoas têm que ter os mesmos direitos, os mesmo deveres e obrigações, e todo mundo tem que ser igual.
Como você vê o Brasil neste ano eleitoral?
Politicamente, acho que a gente vai de mal a pior (risos). Porque cada vez mais a gente fica sem opções que despertem confiança. Uma pessoa que fala e a gente olha e diz: esse cara é confiável e vai ter o meu voto. Eu confesso que não sei para quem vou votar na próxima eleição, nem para deputado e nem para nada. É algo muito parecido com o que acontece no futebol, você não tem a confiança num dirigente que adora o clube, que dá a vida pelo clube, como foi o Vicente Matheus na minha época, o irmão dele, o Isidoro Mateus, você sabia o que eles queriam e se integrava, não tem mais isso.
E onde está a esperança no Brasil?
Acho que tudo o que se relaciona ao povo, à população é legítimo. Porque se é um anseio popular, um sentimento coletivo de uma imensidão de pessoas, então é um caminho. Isso é sinônimo de empatia gratuita. E o povo não pode deixar nunca de participar desses momentos, da política, das manifestações, entendeu? Porque é a única forma de fazer valer esses direitos. Acho que se o povo puder se manifestar e houver democracia, o Brasil cresce de novo.
Aliás, você sempre se deu bem com a torcida, não é?
Eu mantenho essa relação. Até já saí no Carnaval com a Gaviões da Fiel, que é a maior torcida organizada do Corinthians. E tem a coisa do estádio, não é? Aquela energia que eles emanavam para a gente era uma coisa de louco, a gente sentia na pele. Eu, quando fiz um gol de bicicleta, (contra o Tiradentes, em 1983), fiquei todo arrepiado com os aplausos da torcida, falei, gente do céu, mas que é isso? Isso faz com que a gente se sinta enérgico e totalmente… a gente traz para o resto da vida. E eu comecei jogando lá na fazendinha (estádio do Corinthians no bairro do Tatuapé), onde a arquibancada era a um metro do campo, a turma participava ali de perto. No Pacaembu a gente também sentia a energia da torcida bem de perto. Essa turma continua forte, a força da torcida não vai mudar nunca. Na verdade eu me coloco como se fosse eles. Mais um nesse bando de loucos. Não é uma questão de receber, é de participar e atuar junto.
Você mora na Granja Viana há quanto tempo?
Mais de vinte anos. Eu comprei aqui para fim de semana. Mas aí comecei a vir na sexta, depois na quinta. Chegou uma hora que falei: quer saber? Vou mudar para lá. Eu ainda jogava no Corinthians quando me mudei. Desde o primeiro momento que decidi comprar um sítio, um lugar para fim de semana e tal, o primeiro lugar ao qual eu vim foi aqui na Granja, porque eu morava no Alto de Pinheiros, perto da Praça Panamericana. E a Granja era a 15 minutos dali, então para mim estava claro que eu tinha que vir morar aqui. Naquela época não tinha trânsito, era uma maravilha. Então passei pelo menos uns dois fins de semana vindo para cá e os corretores me mostrando as alternativas e tal, aí quando eu vi a chácara eu falei de cara: é esta aqui.
E agora que a região mudou?
O movimento e o comércio vieram depois, é uma consequência natural. As pessoas vão tendo uma necessidade de uma vida educativa e cultural mais legal e vêm para cá, um lugar muito bonito ainda, muito requisitado, é normal aumentar o trânsito. Internamente, no condomínio, mudou muito pouco, a gente fez questão de preservar a vegetação, tem que manter. Muito bem-te-vi, muito pica-pau, é isso aí. Uma vez, quando eu voltei de uma excursão, a minha mulher tinha cortado umas cinco árvores aqui dentro da chácara, rapaz, foi uma crise conjugal (risos).
E para educar os três filhos?
Ah, foi uma maravilha, porque eles estudaram no Colégio Rio Branco, aqui perto, então a gente acabou transferindo a vida para cá. O meu filho Gabriel começou a carreira no São Paulo, que tinha o Centro de Treinamento aqui, muito embora foi lá no Morumbi que eu levei, mas ele passou um período treinando aqui, que era pertinho de casa. Eu cheguei a levar ele ao Corinthians, mas aí tinha que levar e buscar, pesou, porque eu tinha meus afazeres, era na Zona Leste e ele não tinha autonomia para ir, eu tinha que levar e depois buscar, ou a mãe, aí ficou pesado, então eu falei: Gabriel, vamos para o nosso lado lá, então ele acabou ficando no São Paulo mesmo.
Onde eles estão agora?
Nos Estados Unidos. Ele jogou no (Fort Lauderdale) Strikers, que é o time do Ronaldo (Fenômeno). Acabou encerrando a carreira lá, está na comissão técnica, montou uma escola de futebol e está se dando muito bem, tem família, casa lá, e tem duas casas aqui na Granja também. Eu gostaria que ele voltasse, na verdade, mas eles gostam de lá, vamos ver até quando. As meninas estão aqui. Uma é administradora de empresas, está administrando um negócio em São Paulo, a Ludmila, a mais nova. E a Júlia, que é arquiteta, ainda está morando aqui comigo. O Gabriel, o mais velho, veio para cá com cinco anos de idade. Então está tudo bem, eu não penso em mudar. Daqui eu mudo só lá para o céu (risos).
Quais são os seu projetos atuais?
Sou parceiro de uma escola de futebol aqui, com o Villinha, ali na Rua José Giorgi, número 1.000. O Villinha é um ex-jogador também, Jogou na Grécia, onde fez a carreira dele, e também no Juventus, na Portuguesa. Ele é meu contemporâneo de quando eu vim para cá. Eu montei uma escola de futebol e ele fez aulas comigo, depois a gente acabou se desencontrando, mas agora ele está estabelecido aqui. Já está começando e é mais uma atividade para os jovens daqui.
Leia esta e outras matérias da edição 222, de junho de 2018: