Guerrilla Girls

As Guerrilla Girls nasceram há 30 anos. Elas se autodefinem como um grupo de ativistas feministas que usam fatos, humor e imagens ultrajantes para expor os preconceitos étnicos e de gênero.

Você pode nomear cinco mulheres artistas famosas que viu em algum museu recentemente? E cinco artistas homens? A grande maioria das pessoas não vai conseguir responder a esta primeira pergunta. Não somente pela falta de uma informação específica ou artística, mas pelo simples fato de que as obras de artistas mulheres compõem cerca de 5% ou menos dos acervos de museus pelo mundo. Isso não acontece pela falta de mulheres artistas na história da arte, e sim pelo machismo instalado e enraizado na nossa sociedade.

Outra pergunta: Uma mulher precisa ser retratada nua para entrar em um museu? A pergunta parece descabida, mas a resposta é sim. Em uma das mais renomadas instituições do mundo, o Metropolitan, em Nova York, a maior parte das mulheres retratadas na criação moderna e contemporânea está sem roupa. É muito mais fácil para uma mulher estar pelada numa exposição do que mostrar seu trabalho como artista no mesmo espaço.

As Guerrilla Girls nasceram dentro deste contexto mundial, há 30 anos. Elas se autodefinem como um grupo de ativistas feministas que usam fatos, humor e imagens ultrajantes para expor os preconceitos étnicos e de gênero, bem como a corrupção na política, na arte, no cinema e na cultura pop. Constituído por ativistas anônimas e conhecido por usar máscaras de gorila em suas aparições públicas, o grupo foi formado em 1985 em resposta a uma exposição realizada em 1984 no Museum of Modern Art (MoMA), em Nova York. Mais de 55 pessoas já integraram o grupo. O anonimato absoluto garante que o foco permaneça nos assuntos abordados, e não nas integrantes. Uma atitude bem parecida com a do superconsagrado artista Banksy, que também usa uma máscara de gorila enquanto cria pelas ruas.

Esqueçam a Mulher Maravilha ou o Super Homem e suas lutas simplistas entre o bem e o mal. No combate pela verdade e a justiça as Guerrilla Girls dão voz à discriminação das mulheres no mundo da arte. O seu trabalho artístico transita entre a arte performática e pôsteres criados para estas performances. Parte desta produção chegou a São Paulo com uma mostra que reúne mais de 100 de seus icônicos impressos, em 28 de setembro, no MASP – onde elas realizaram, também, uma performance no dia seguinte à abertura da exposição. A mostra intitulada Guerrilla Girls: Gráfica, 1985-2017 fica em cartaz até o dia 14 de fevereiro de 2018.

VAMOS OBSERVAR

Do Women have to be naked to get into the Met. Museum?

(As mulheres precisam estar nuas para entrar no Museu Met.?), 1989 
 Arte gráfica, pôster

O emblemático pôster foi atualizado para o MASP, denunciando 68% de “nudes” femininos e 6% de artistas mulheres em seus cavaletes. Os pôsteres tornaram-se uma fonte política na arte: depois de vê-los, nunca mais as pessoas vão entrar em um museu sem estarem cientes destes dados e da discriminação.
Apesar de todas as conquistas das mulheres nas últimas décadas, ainda vivemos em uma sociedade extremamente patriarcal e machista. No Brasil, a taxa de feminicídios é a quinta maior do mundo! Segundo o dicionário Michaelis, o machismo é a “Ideologia da supremacia do macho que nega a igualdade de direitos para homens e mulheres”.

Chamamos de opressão toda conduta ou ação para transformar as diferenças em desigualdades, de forma que estas sejam utilizadas para beneficiar um determinado grupo em relação a outro. Quando isso se dá entre brancos e negros, chamamos de racismo; entre heteroafetivos e homoafetivos, chamamos de homofobia; entre homens e mulheres, denominamos machismo. A opressão se expressa de várias formas: na piada que ridiculariza as mulheres por sua condição de mulher – “dirige mal, só podia, mesmo, ser mulher”; na diferença salarial entre homens e mulheres – hoje, em nosso país, uma mulher ganha até 30% menos que um homem; na agressão física, verbal ou psicológica.
O machismo não é só fruto de uma conduta individual. É uma ideologia, ou seja, um sistema de ideias falsas que criam uma falsa verdade, utilizada pelo sistema para manter a dominação e ampliar a exploração. A principal ideia é a de que as mulheres são inferiores aos homens e, portanto, não podem assumir determinadas tarefas ou ter determinados comportamentos. É por meio desta ideologia que se naturaliza o fato de que as mulheres são as “rainhas do lar”, têm por obrigação cuidar dos filhos, da casa e dos maridos sem nada receberem por isso. Essa ideologia é transmitida pela escola, pelas famílias, pelas igrejas, pelos meios de comunicação e por todas as instituições que reproduzem o sistema capitalista. De tanto ser reafirmada, passa a ser natural, comum, imutável e assim deixa de ser questionada. Está aí o grande perigo. 
 Há séculos, mulheres têm lutado para ter direito a estudar e criar e, mesmo assim, ainda há artistas cuja importância é somente lembrada no feminismo, mas não na história da arte. Mas por que isso continua a acontecer nos dias atuais? As guerrilheiras têm a resposta na ponta da língua: a culpa é dos homens ricos e brancos. São eles que sustentam os museus com doações em dinheiro e obras de arte. Por isso, os museus não mais servem ao propósito de documentar a história da arte, mas sim a história do poder e do dinheiro. Elas demonstraram esta afirmação em 1989, provando que o valor pago por uma tela de Jasper Johns (US$ 17,7 milhões) poderia comprar obras de 67 mulheres artistas consagradas, entre elas Diane Arbus, Dorothea Lange, Frida Kahlo e Georgia O’Keeffe. “É o velho preconceito de ver o homem como gênio criador e a mulher como musa”, comenta uma das garotas.

Não podemos ignorar a importância do feminismo na atualidade. Ao contrário do que muitos pensam, o feminismo não é o oposto do machismo. O feminismo prega a igualdade de gênero, onde mulheres e homens têm, de fato, os mesmos direitos. E é exatamente isto que querem as Guerrilla Girls: usar a arte para provocar este tipo de discussão, que pode gerar mudanças importantes na sociedade. Acredito, sim, que aos poucos estamos conseguindo criar uma sociedade mais justa e evoluída. Mas não existe uma fórmula mágica, é necessário um conjunto integrado de ações. As guerrilheiras anônimas do mundo das artes providenciam exatamente isto e são fundamentais nos dias atuais e na história da arte.

 

Por Milenna Saraiva, artista plástica e galerista, formada pelo Santa Monica College, em Los Angeles.

www.milenna.com

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