Arte Observada: Camille Claudel

Seria impossível falar somente de sua obra e não falar sobre sua vida

Camille Claudel nasceu em Aisne, na França, em 1864, e cresceu em Villeneuve-sur-Fère. Camille foi uma grande escultora que desafiou as normas sociais do seu tempo com sua arte e acabou ficando na obscuridade até pouco tempo atrás. Seria impossível falar somente de sua obra e não falar sobre sua vida. Não é possível separarmos asobras de sua criadora. Não é possível separarmos a arte da vida.

Sentia-se rejeitada pela mãe desde muito nova, a qual, como a maioria das mães daquela época, preferia filhos homens. No entanto, seu pai reconheceu seu grande talento e tornou-se seu maior incentivador, levando-a para Paris, a então capital da arte do mundo.

studou na Academia Colarossi, uma escola voltada para a formação de escultores. Teve como mestres Alfred Boucher e, depois, o já conhecido e prestigiado escultor Auguste Rodin. Aos 19 anos, Camille já era uma artista promissora e seus trabalhos já eram exibidos em grandes salões de arte. Rodin, impressionado com seu talento, convidou-a para trabalhar como sua assistente, a única mulher entre o grupo de artistas contratados para auxiliá-lo em uma de suas maiores obras: Os Burgueses de Calais. Camille era incumbida de esculpir as partes mais difíceis de se fazer em esculturas: os pés e, principalmente, as mãos. Era por meio das mãos que Rodin definia a expressão e emoção a de seus personagens.

Além de assistente, tornou-se musa de Rodin, posando para várias obras do artista. Tornaram-se também amantes, apesar dos 24 anos de diferença de idade entre eles. Desde o início, o relacionamento de Camille e Rodin foi extremamente conturbado. Rodin era casado e se recusava a deixar sua esposa e filho para viver com Camille, o que tornou a proximidade de ambos atormentadora. Eles também brigavam pela autoria e execução de obras. Na interpretação da historiadora Monique Laurent, ex-diretora do Museu Rodin, Auguste tinha medo de assumir seu relacionamento com Camille por ser consciente da inteligência e do talento de sua amante, o que fazia dela uma artista que poderia superá-lo. Não podemos esquecer que no século XIX o mundo da arte era basicamente masculino. Às mulheres era sempre reservado um espaço secundário. As artistas que conseguiram se destacar pela qualidade do seu trabalho foram poucas.

No decorrer dos anos, Camille continuou trabalhando e vivendo em completa solidão. Sem nenhum reconhecimento porseu trabalho, com a morte de seu pai e completa rejeição de Rodin, que se tornou seu rival, começou a adoecer. Deprimida, paranoica e supostamente diagnosticada com esquizofreniaacabousendo internada porsua mãe e irmão, contra sua vontade, em um manicômio. Após 30 anos vivendo em hospícios, sem nunca criar novamente, faleceuaos 79 anos de idade.

A obra intitulada Abandono, também conhecida como Vertumnus andPomona, é um marco na trajetória de Camille Claudel. A escultura é inspirada no conto do poeta hindu Kalidasa e retrata o momento do reencontro entreSakuntala e seu marido após um longo período de separação causado por um feitiço. A escultura foi apresentada no famoso Salão de Paris, onde foi recebida com muito sucesso. Após passar por um aborto, Camille decidiu afastar-se de Rodin e desvincular sua arte da obra dele, embora tenham se encontrado por mais algum tempo após esta decisão. Foi nesse processo de distanciamento e rompimento que seu trabalho evoluiu, demonstrando amadurecimento de concepções e de técnicas. Estudou a arte oriental e passou a retratar o fantástico em vez do realismo. A maioria das obras de Camille retrata figuras femininas em destaque. Suas representações do corpo feminino não eram iguais àsdos outros artistas da época. Ela se negava a retratar mulheres no estilo idealizado e aceito pela sociedade, reafirmando sua rebeldia contra o ambiente machista em que vivia e achatava seu talento e sua criatividade.

Esta obra foi comparada à obra mais conhecida de Rodin, O Beijo, que foi criada doisanos antes. Camille foi até acusada de plágio pelo artista. Ambas as obras tratam do mesmo tema: o amor e o encontro. Na obra de Rodin, o homem tem o poder do desejo sobre a mulher, é ele que domina o beijo. Já na obra de Camille, a figura masculina se ajoelha diante da mulher, como que implorasse por seu amor. Os corpos de Claudel são desejantes, não simples objetos do prazer masculino.

Camille era uma escultora do nível de excelência de Auguste Rodin em todos os aspectos. Mas o mundo, durante muitas décadas, preferiu falar dela como a assistente e amante louca do grande artista. Até a década de 50 não existia espaço para escultoras na história da arte. O amplo reconhecimento de seu talento só viria muitas décadas depois de sua morte.

A vida de Claudel é uma lição de como a restritiva sociedade europeia da virada do século tratava as mulheres. O que quebrou seu espírito, muito mais que Rodin, foi a impossibilidade de ser e vencer num mundo cruelmente machista.


Vamos Observar

Abandono, 1905

91 x 80.6 x 41.8 cm

Mármore

Museu Rodin, França.


Por Milenna Saraiva, artista plástica e galerista, formada pelo Santa Monica College, em Los Angeles

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