Há quase dois mil anos, uma erupção vulcânica soterrou a cidade de Pompeia. Suas ruínas nos permitem conhecer o dia a dia de uma cidade romana como se ela nunca tivesse deixado de existir. Foi a maior erupção do Monte Vesúvio de que se tem notícia até hoje. Na manhã de 24 de agosto, do ano de 79, uma chuva de cinzas e pedras que saiu da cratera do vulcão pegou os moradores das cidades de Pompeia, Herculano e Stabia de surpresa. Localizadas no golfo de Nápoles, no sul da Itália, as três foram totalmente soterradas. Dias antes da catástrofe, os pompeianos ouviram ruídos que vinham do solo, mas não imaginavam o que estava por vir. Eles nem sequer suspeitavam de que a fértil montanha, onde plantavam suas vinhas, abrigava um perigoso vulcão. As pedras, chamadas lapíli (do italiano lapilli, pedrinhas), que a cratera expelia, alcançavam quilômetros de altura e algumas tinham espessura de 8 metros. Normalmente, os lapíli são do tamanho de uma avelã. Quem conseguiu sobreviver às pedradas acabou morrendo por asfixia: o Vesúvio soltou um gás altamente tóxico e em altas temperaturas. Os sobreviventes que retornaram em busca de seus pertences não encontraram mais nada. Pompéia era uma cidade com aproximadamente 20 mil habitantes. Após a erupção do Monte Vesúvio praticamente 80% da população havia morrido, ou seja, aproximadamente 18 mil habitantes. Todos foram transformados em estátuas de pedra por causa de uma reação química que preservou o molde dos corpos por milhares de anos. Entre as mais famosas estão as de uma mãe que amamentava o filho, a de um cão preso na corrente e as de três jovens mulheres surpreendidas. Mas não são somente ruínas e corpos petrificados que vemos em Pompeia. A cidade tem um grande número de mosaicos e afrescos que também sobreviveram ao tempo. Outra surpresa, ao andarmos pelo quase infinito labirinto de escombros, são as esculturas de Igor Mitoraj.
VAMOS OBSERVAR
O Centauro, 2006
Escultura em bronze
Coleção permanente do sítio arqueológico de Pompeia, Itália
Igor Mitoraj, 1944-2014, estudou pintura na Academia de Cracóvia of Art sob a orientação de Tadeusz Kantor. Depois de se formar teve várias exposições coletivas. Sua primeira exposição individual aconteceu em 1967, na Galeria Krzysztofory, na Polônia. Em 1968, mudou para Paris para continuar seus estudos na Escola Nacional de Arte. Ficou fascinado pela arte e cultura latino-americana, especialmente a do México. A experiência o levou a descobrir a arte da escultura. Retornou a Paris em 1974 e, dois anos mais tarde, realizou outra exposição individual de destaque na galeria La Hune, incluindo lá algum trabalho escultórico. O sucesso da exposição o convenceu de que ele era, antes de tudo, um escultor. Tendo trabalhado anteriormente com terracota e bronze, numa viagem para Carrara, Itália, em 1979, passou a utilizar o mármore como seu principal material de trabalho e, em 1983, montou um estúdio em Pietrasanta. Em 2006, criou as novas portas de bronze e uma estátua de João Batista para a Basílica de Santa Maria degli Angeli, em Roma. Mas o grande artista Igor Mitoraj, alemão de origem polonesa, tinha um sonho: ter suas obras expostas entre os templos e casas de Pompeia. O sonho foi realizado somente dois anos após a sua morte. Desde 15 de maio de 2016, suas peças fazem parte desse local único, tornando o contexto realmente impressionante! As majestosas esculturas de bronze foram colocadas em várias áreas do sítio arqueológico. Após o sucesso das exposições no Vale dos Templos em Agrigento e no Mercati di Traiano de Roma, a exposição em Pompeia serve para selar uma combinação osmótica entre a arqueologia e a arte contemporânea do Maestro Mitoraj. Duas realidades que acabam se encontrando e se fundindo, estabelecendo um elo dialético harmonioso que realça e valoriza tanto a solenidade histórica das escavações quanto as figuras surreais do mestre polonês. O centauro aparece em bronze envelhecido, com uma coloração típica esverdeada, em seus mais de quatro metros de altura, sob um pódio de mármore. Toda sua lenda foi incorporada na escultura de forma contemporânea e, ao mesmo tempo, clássica. Com parte da cabeça e do braço cortada, a figura remete às esculturas greco-romanas já desgastadas por guerras e pelo tempo. Os detalhes de cabeças e outras figuras que surgem da imagem principal remetem às pinturas de Dalí. Os centauros eram seres dotados de muita força física. Eram espécies de monstros, porém com algumas características humanas. De acordo com o imaginário mítico dos gregos antigos, a parte inferior dos centauros (cavalo) era a responsável pela força física, brutalidade e impulsos sexuais. Já a parte humana era mais racional, com capacidade de analisar e refletir. Portanto, eram seres que representavam conflitos típicos dos seres humanos: razão, emoção e violência. Aparecem em vários mitos e lendas, quase sempre associados a fatos envolvendo atos violentos e bárbaros.
Deuses e heróis mitológicos povoam as ruas e praças da cidade enterrada pelo Vesúvio, emergindo como sonhos das ruínas. Símbolos mudos e icônicos, as obras de Mitoraj nos lembram sobre o valor profundo do classicismo na cultura contemporânea.
Por Milenna Saraiva, artista plástica e galerista, formada pelo Santa Monica College, em Los Angeles.