Arte Observada – Shepard Fairey

Shepard Fairey é um artista contemporâneo americano, artista de rua, ativista, designer gráfico e ilustrador, nascido em 1970 em Charleston, na Carolina do Sul

Gênio da arte de guerrilha para uns, plagiador e vândalo para outros. Ame-o ou processe-o, parece ser o slogan de Fairey para sua relação com o público americano. Nada surpreendente para um artista que ganhou a atenção do público há mais de 20 anos, quando ainda era estudante da Rhode Island School of Design. Seu legado começou quando usou um stencil da foto do lutador francês André “The Giant” Roussimoff em cartazes e os espalhou por toda a parte. Logo a imagem passou a ser replicada em pôsteres e adesivos por todo o país. Em um manifesto, ele afirmou que a série conhecida por Obey era, na verdade, um estudo do conceito de fenomenologia e se inspirava no filme Eles vivem (They live), de John Carpenter.

Ficou conhecido mundialmente após criar o pôster “Obama Hope” que, espalhado pelas grandes cidades americanas durante a campanha presidencial, foram não apenas usados como peças-chave de propaganda eleitoral de Barack Obama, mas considerados uma brilhante estratégia de marketing para atrair o voto jovem. Os próprios pôsteres viraram objeto de um processo na Justiça entre o artista e a agência de notícias Associated Press, que o acusou de ter violado direitos autorais da imagem ao desenhar os pôsteres de Obama usando uma foto original da agência, tirada por Mannie Garcia. O fotógrafo acabou desistindo do processo após uma longa disputa nas cortes.

A trajetória de artista de guerrilha evoluiu para algo mais comercial, ainda que sempre político, com séries de quadros que incorporam propaganda comunista chinesa, desenhos do construtivista russo Alexander Rodchenko, realismo social americano, design e arquitetura islâmicos e até títulos mobiliários. O ponto em comum em todos os trabalhos é um grafismo de subversão do óbvio, um contraditório entre o que se vê e o que se lê – Fairey gosta de usar palavras em seus trabalhos, como paz, esperança, guerra e poder.

Suas obras migraram das ruas para grandes museus e galerias de arte. Mas existem aqueles que discordam de seu sucesso: “O padrão e as práticas de Fairey são copiar repetidamente os trabalhos de outros artistas e fotógrafos”, afirmou a agência que tentou processá-lo. O artista plástico Mark Vallen também escreveu: “O que me perturba na arte de Fairey é que não exibe nenhuma das linhas, modelos ou outras idiossincrasias que revelam o estilo único de um artista. Seu imaginário aparece como que xerocado ou feito por um programa de computador. É uma máquina de arte que qualquer estudante de arte de segunda categoria poderia produzir”.

Mas, afinal, o que é arte? Quem é artista? Este debate recentemente virou o centro das atenções aqui no Brasil, após o novo prefeito João Dória mandar apagar dezenas de muros com grafites e pichações pela cidade de São Paulo. A arte (do latim ars) é o conceito que engloba todas as criações realizadas pelo ser humano para expressar uma visão e/ou abordagem sensível do mundo, seja este real ou fruto da imaginação. Por meio de recursos plásticos, linguísticos ou sonoros, ela permite expressar ideias, emoções, percepções e sensações. Suas funções são muitas e essenciais no registro da História. Há indícios da pichação já na Antiguidade. A erupção do vulcão Vesúvio preservou inscritos nos muros da cidade de Pompeia, que continham desde xingamentos até propaganda política e poesias.

Junto com a Amplifier Foundation, Fairey lançou uma campanha para arrecadar dinheiro para imprimir e distribuir os pôsteres por ele criados no dia da posse de Donald Trump. O projeto arrecadou 1,3 milhão de dólares, muito mais do que sua meta de 60.000. A série de três pôsteres retratam três mulheres, sendo uma muçulmana, uma latina e uma afrodescendente. As cores são as mesmas usadas na bandeira americana, vermelho, azul e branco. Variações com a frase “We The People” são lidas abaixo de cada imagem, cuidadosamente criada com camadas de stencil.

Fairey explicou que os pôsteres têm o objetivo de combater os visíveis sentimentos de racismo, xenofobia e sexismo, usados descaradamente na campanha presidencial de Donald Trump. Disse, também, que Trump dividiu os Estados Unidos porque “separados somos mais fracos”. O artista aposta no poder de cura e de união da arte. Seja na forma pela qual celebra a humanidade ou simplesmente pelo lúdico, que estimula a conexão humana.

A obra de Shepard, apesar de ter todos os elementos da Street Art, distancia-se dela por seu planejamento, riqueza de detalhes, execução perfeita e preocupação estética. O conteúdo de sua obra também se distancia da Street Art no cuidado com símbolos, estrategicamente posicionados, cores cuidadosamente selecionadas e palavras precisamente usadas. O artista, que se autodenomina um “comunicador visual”, também doa grande parte de seus lucros a diversas entidades e causas pelo mundo.

Nina Simone, uma vez, indagou: “Como é possível ser um artista e não refletir o tempo em que se vive?” O “artivista” usa a realidade como sua matéria-prima. Suas obras dialogam com a conjuntura política do país, mas com técnicas que remetem ao lúdico. Sua arte funciona como uma importante ferramenta política, não apenas por ser um reflexo da cultura vigente da nossa época, mas porque tem o poder de proporcionar um repertório de representações às diversas manifestações e contestações, seja de setores marginalizados de uma sociedade, seja da população contra arbitrariedades do Estado que a governa. Esta arte protestante serve para nos tirar do isolamento e espalhar a sensação de que fazemos parte de uma mesma substância, de uma mesma resistência, e de que unidos lutaremos por um mundo no qual sejamos socialmente iguais, humanamente diferentes e totalmente livres. A arte como crítica da vida nos impulsiona para um futuro menos sombrio e mais democrático.


Vamos observar

Shepard Fairey

We The People (Nós o Povo), 2017

Série de 3 pôsteres – stencil


Por Milenna Saraiva, artista plástica e galerista, formada pelo Santa Monica College, em Los Angeles.

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