Ainda que estejamos habituados a pensar em mistérios como questões de universos distantes a serem respondidas, muitos segredos que envolvem a humanidade emergem de nossos próprios corpos.
Desde a antiguidade clássica no Ocidente, atravessando o Renascimento na Europa e alcançando os dias atuais, estudiosos da anatomia persistem na busca por desvendar a função e a beleza das partes do corpo humano. Carolina Lixandrão, estudante de Artes Visuais na Escola de Comunicações e Artes (ECA) da USP, encontrou inspiração nessa junção de ciência e arte ao conceber a exposição fotográfica De Humani Corporis Fabrica.
Em exibição desde o dia 16 de outubro no Museu de Anatomia Humana Alfonso Bovero (MAH) do Instituto de Ciências Biomédicas (ICB) da USP, na Cidade Universitária, em São Paulo, a exposição apresenta imagens do vasto acervo do museu, contendo muitas peças preservadas há mais de 70 anos.
Segundo Carolina, a exposição está relacionada à obra homônima do “pai da Anatomia Moderna”, o belga Andreas Vesalius, uma coleção de livros repletos de ilustrações anatômicas lançada em 1543. Seu objetivo é preservar a tradição da representação de elementos anatômicos, abrangendo desde a arte do desenho e da gravura até a tecnologia da fotografia.
A estudante encontrou inspiração e propósito na anatomia humana quando teve a oportunidade de trabalhar no museu. A anatomia se tornou o ponto de partida para suas explorações, e ela logo percebeu a riqueza de detalhes e expressão que a área oferece. Em sua opinião, “a anatomia é uma forma de arte em si”.
Durante sua trajetória acadêmica, ao entrar em contato com o livro belga, Lixandrão ficou impressionada com as representações humanas. Ao atuar como monitora do Programa Unificado de Bolsas (PUB) no museu, ela uniu sua curiosidade artística com a proposta educativa do espaço: “A proposta do museu é, conforme eu entendo, que, através das peças, você adquire conhecimento e tem uma experiência estética”.
Com um acervo que inclui mais de 300 peças humanas, de órgãos preservados a partes do esqueleto e até fetos humanos inteiros, o Museu de Anatomia proporciona a visitantes, pesquisadores e artistas uma rara jornada interna. “Essas imagens internas estão presentes em todos nós, mas raramente as compreendemos completamente”, comenta a artista visual.
Na opinião dela, o trabalho foi fundamental para seu desenvolvimento como fotógrafa e serviu de pontapé para a realização de seu trabalho final na graduação. A seleção de imagens foi inspirada pelo fotógrafo americano Joel Peter Witkin, que explora a anatomia de maneira semelhante.
Por meio da exposição, localizada na Sala Didática do museu, a estudante convida os espectadores a percorrer um pequeno caminho sinuoso e a se deparar com fotos em preto e branco, iluminadas com cuidado especial. A ideia é questionar o que não entendemos sobre nós mesmos e indagar como essa representação interna do corpo humano muitas vezes é ignorada ou evitada na sociedade.
Coleção de valor inestimável
A exposição foi viabilizada por meio do 8º Edital Santander/USP/Fusp de Fomento às Iniciativas de Cultura e Extensão, promovido pela Pró-Reitoria de Cultura e Extensão (PRCEU) da USP.
A seleção das peças e a montagem da mostra contaram com o auxílio e a orientação de Nilson Silva Souza, responsável técnico pelo acervo do museu. Além de acompanhar de perto as visitas de escolas e de especialistas ao espaço, ele também inspira monitores como Carolina.
“Carolina não pertencia à área de saúde. Mas após uma aula prática no museu, ela se encantou com a figura humana e desenvolveu suas habilidades artísticas”, afirma Souza. De acordo com ela, Souza, que é profundo conhecedor do acervo, a ajudou na seleção das melhores peças para a exibição.
Quando o Jornal da USP visitou a mostra, o responsável técnico não apenas acompanhava em tempo real a visita de estudantes do oitavo ano de uma escola em Itupeva, no interior de São Paulo, como também auxiliava um pesquisador da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) a navegar pelos diversos armários de crânios, cerca de 450 peças catalogadas e numeradas.
Para Sérgio Francisco Serafim Monteiro da Silva, docente do Departamento de Arqueologia da UFPE, tanto o acervo do museu quanto a exposição organizada pela estudante têm um “valor inestimável”.
Ele, que além de ser formado em História pela Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP, conduz pesquisas especializadas em osteoarqueologia (uma disciplina que se dedica ao estudo científico de esqueletos e vestígios ósseos encontrados em sítios arqueológicos), destaca a importância da coleção representada ali: “A coleção é uma referência nacional e um tesouro que tem sido desenvolvido ao longo de muitos anos”.
O acervo completo abriga representantes da população de São Paulo desde a década de 1930, tornando-se um “recurso espetacular para estudos e pesquisas nas áreas de anatomia”, comenta o docente.
Por fim, Carolina expressa a esperança de que a exposição incentive as pessoas a refletirem mais profundamente sobre seus próprios corpos e a se envolverem mais com o Museu de Anatomia Humana.
Por meio das fotos, a artista reforça a natureza multidisciplinar do museu, que une conhecimento, história e arte. Para ela, o trabalho, como uma atividade de extensão cultural da Universidade, nasceu para demonstrar como todas essas disciplinas se complementam e fazem sentido juntas.
Serviço:
O MAH fica localizado no prédio do Instituto de Ciências Biomédicas da USP, o ICB III, na Avenida Prof. Lineu Prestes, 2415 – Butantã, São Paulo
A exposição é gratuita e estará disponível até o dia 21 de dezembro. As visitações estarão abertas de terça a sexta-feira, das 13h às 16h
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Fonte: Jornal da USP