O maestro João Carlos Martins entregará ao criador de suas luvas biônicas, o designer industrial Ubiratan Bizarro Costa, um troféu “honoris causa” em reconhecimento à sua importante invenção, que fez com que o pianista voltasse a performar peças que há muito não conseguia após várias lesões que afetaram suas mãos e dedos.
A homenagem acontecerá durante a cerimônia de entrega do “Prêmio SBEB-Boston Scientific de Inovação em Engenharia Biomédica para o SUS”, no dia 8 de novembro, em São Paulo. Na ocasião, Martins também fará uma palestra sobre motivação e superação, afinal, ele é exemplo de quanto uma vida pode ser transformada por meio da engenharia biomédica.
O evento contará com a presença de representantes do Ministério da Saúde, do Ministério de Ciência, Tecnologia e Inovação, da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA) e de diversos setores do ecossistema de inovação em saúde do país.
As luvas biônicas extensoras (LEB) foram dadas como um presente de Bira a Martins, que gravou um vídeo emocionado usando as peças para tocar uma música de Bach no piano. Em janeiro de 2020, a notícia ganhou veículos de mídia do mundo todo e, com tamanha repercussão, muitas pessoas com características semelhantes às mãos do maestro começaram a pedir as luvas, que ajudam também em casos de AVC leve e Distonia Focal.
Quando “vestidas” por uma pessoa que fica com as mãos fechadas a maior parte do tempo por problemas neurológicos, motores e outros, as luvas estendem seus dedos, abrindo ao máximo possível as mãos, mantendo os movimentos mais estáveis e controlados, tudo mecanicamente usando sua própria força e movimentos manuais. Por ser flexível e operar apenas pela parte superior, permite a alguns usuários continuarem usando suas mãos nas atividades do dia a dia.
História
Martins enfrentou diversos problemas que impactam em sua carreira, passando por mais de 20 cirurgias. Em 1966, jogando futebol no Central Park, em Nova York, caiu sobre uma pedra e machucou o nervo ulnar, na altura do cotovelo direito, provocando atrofia em três dedos. Em 1985, outro problema na mão direita o fez parar novamente, só retornando aos palcos em 1993. Dois anos mais tarde, num assalto em Sófia, na Bulgária, recebeu uma pancada com uma barra de ferro na cabeça. A lesão cerebral afetou a outra mão. Com operações e fisioterapia, tocou até 2002, quando, com dores insuportáveis, interrompeu a carreira.
Depois surgiu um tumor na mão esquerda, seguido da doença de Dupuytren, contratura na qual os dedos não ficam plenamente estendidos e tendem a se flexionar em direção à palma da mão. Com problemas neurológicos que o fizeram abandonar o piano e se dedicar à regência, Martins se submeteu, em 2012, a uma cirurgia no cérebro para a implantação de eletrodos, com um estimulador eletrônico no peito, com o objetivo de recuperar os movimentos da mão esquerda.

O encontro entre o maestro e o designer aconteceu no camarim, após um concerto na cidade de Sumaré, em junho de 2019. Em uma reportagem, Martins confessa que pensou que a solução não serviria para nada, explicando que seus dedos simplesmente não voltavam ao lugar quando os movimentava. Mas Bira insistiu e as mãos, que antes fechavam após movimentos, voltaram a ficar estendidas com o uso do invento, apelidado pelo próprio maestro de “luvas biônicas”, mas que funcionam como molas para gerar o efeito esperado.
O projeto ganhou forma quando Bira assistiu à apresentação de despedida de João Carlos do piano. Como já tinha desenvolvido um exoesqueleto para ajudar cadeirantes a se levantar e andar, pensou que seria mais fácil adaptar só para os dedos. Se antes conseguia usar apenas os dois polegares, agora o maestro reaprendeu a tocar o instrumento ao movimentar os outros dedos. Bira já produziu algumas versões das luvas de acordo com solicitações do pianista. Hoje eles se consideram amigos.
RELEMBRANDO
Maestro João Carlos Martins foi nossa capa em fevereiro de 2021 e deu um exemplo de superação e cidadania. Nesta entrevista à Circuito, o músico declarou amor eterno à região da Granja Viana, onde promovia concertos e partidas de futebol inclusivas em sua casa, já na década de 1970, quando a desigualdade social ainda não estava em pauta, e diz que só não volta para o local por causa de suas atividades intensas em São Paulo. E ensina como cuidar do espírito pensando o país, e a cuidar do corpo com teimosia.