Dúvidas, mudanças, projeções, replanejamentos e densas reflexões. Após dois anos de restrições, a volta das atividades presenciais trouxe um novo cenário e diferentes desafios para o cotidiano escolar. Conversamos com dois especialistas – os diretores Esther Carvalho e Cezar Sena – que falam da importância de traçarmos novas estratégias e reiteram que uma coisa é certa: os mecanismos, as dinâmicas e as relações de antes não existem mais.

Recomeço ou reinício?

É necessário inovar para educar. Essa foi a reflexão que norteou o livro Implantação de inovações curriculares na escola: a perspectiva da gestão, resultado da tese de mestrado da diretora-geral do Colégio Rio Branco, Esther Carvalho, lançado em março de 2020. Mesmo antes do mundo virar de cabeça para baixo, a educadora já propunha uma análise sobre o contexto da escola, seu papel na sociedade como agente civilizatório e a necessidade de encontrar novos caminhos para atender às demandas da contemporaneidade. Agora, mais do que nunca, isso se faz necessário. Estamos diante, então, de um recomeço ou reinício da escola?

A pergunta é complexa. Nossa entrevistada defende a criação de um novo pacto pedagógico entre educadores, alunos e familiares, estabelecendo ajustes que dialoguem com as necessidades e, ao mesmo tempo, promovam uma consciência coletiva. “O que faz sentido é utilizarmos as aprendizagens desse momento tão difícil e complexo para redesenharmos, reconstruirmos e desconstruirmos as nossas práticas para que possamos dar conta desse novo momento”, opina.

Assim como ela, Cezar Sena também é diretor escolar, mas da rede pública estadual em Vargem Grande Paulista, e acaba de lançar um livro com título bem sugestivo: Reflexões sobre a educação no contexto da pandemia. Uma das conclusões a que chegou é que a pandemia deixou marcas profundas no processo educacional e revelou as fragilidades e desigualdades do sistema. E, sobretudo, evidenciou a importância do trabalho coletivo. Para ele, “não faz mais sentido a escola insistir em reproduzir atitudes e estratégias desconectadas da realidade”.

Muito são os desafios adiante…

Desafios

De uma hora para outra, os alunos se viram dentro do ensino remoto. Dois anos depois e duas séries à frente, retornaram para o modelo totalmente presencial, sem o desenvolvimento esperado de antes e com impactos comportamentais e psicossociais. “Recebemos um aluno menos maduro, com a ausência de algumas rotinas de aprendizado e organização. Além disso, percebemos uma perspectiva mais individualista, uma consciência coletiva mais frágil entre os jovens. Esse cenário impactou também o professor, que ficou mais ansioso e preocupado. Rotinas e aspectos disciplinares foram dificultados, com jovens que se adaptaram individualmente às próprias realidades e que, agora, afetam a dinâmica das turmas como um todo”, enumera Esther.

Os desafios se concentram agora em recompor os processos de ensino e de aprendizagem. E vão além. “Não é especificamente retomar o aprendizado, mas retomar as quatro aprendizagens que constituem a formação desse jovem, baseadas nos pilares da UNESCO, que são aprender a conhecer; aprender a conviver; aprender a aprender; e aprender a ser, que envolve saúde mental, expectativas, projeto de vida e se entender como parte desse novo coletivo”, completa.

Cezar acrescenta à fala da educadora a necessidade de se discutir as questões socioemocionais em âmbito escolar. “Alunos e profissionais da educação estão emocionalmente abalados e estressados, com dificuldades de gerenciar suas emoções e sentimentos. O aumento da violência nas escolas, tanto físicas quanto verbais, e o bullying estão se tornando grandes problemas para as equipes escolares. Por isso, necessitamos com urgência de apoio emocional efetivo, como política pública, para toda comunidade escolar, o que infelizmente ainda não está acontecendo de modo sistemático”, lamenta.

Afinal, a formação de um cidadão sempre foi a essência da escola. “Nós queremos formar pessoas plenas, que encontrem o seu potencial e se desafiem cada vez mais”, resume a Esther.

Novo coletivo escolar

Esther define este momento como um novo coletivo escolar: “é um lugar onde se estabelece, constrói e refina a consciência coletiva de que sou um indivíduo parte de um todo e, portanto, tenho que respeitar e lidar não só com as minhas necessidades, mas desse todo também. Certamente, esse coletivo transforma o jovem em uma pessoa ética, solidária e competente”.

Sabemos que o trabalho coletivo na escola não é tarefa fácil. Por ser um espaço múltiplo e diverso, o desafio é ouvir todas essas vozes sem silenciar nenhuma delas, fortalecer as ações, debater e refletir acerca dos processos que garantem os direitos de desenvolvimento, permanência e aprendizagem de todos. Por onde começar? Os educadores são unânimes em afirmar: estabelecendo acordos entre diferentes opiniões em um grupo formado por diferentes pessoas, com diferentes histórias e perspectivas, em um espaço colaborativo.

Menos competição e mais colaboração

Sabemos que o mundo inteiro está conectado. Toda ação deve ser pensada no coletivo, e não individualmente. Com a educação, não seria diferente. “O processo educacional é um processo coletivo. Ninguém aprende sozinho, sempre necessitamos do outro como mediador da aprendizagem. As novas pesquisas educacionais apontam para a aprendizagem coletiva, colaborativa”, ressalta Cezar. Ele faz uma analogia com os esportes: “a escola não é um jogo de xadrez (com estratégias individuais de deixar o opositor sem saída), mas sim uma partida de esporte coletivo, onde cada atleta tem seu papel, passando a bola, dando passes, evidenciando ora um, ora outro. Menos competição e mais colaboração”.

Coletivo não está dado, mas se desenvolve

Sim, é um novo momento – nunca jamais visto, diga-se de passagem – e que precisa ser compreendido para ser vivido de maneira plena e cheia de aprendizagens como ele pode ser. Não há fórmula mágica, nem métodos prontos. “Estamos trabalhando com os professores a ideia de compreender esse novo coletivo e atuar numa perspectiva nova e investigativa para termos claro que aquele aluno esperado não está mais lá. Como nós vamos trabalhar os conteúdos essenciais e as rotinas de uma maneira menos angustiante? E com os alunos também, estamos trabalhando a tomada de consciência da parte que lhes cabem, para que seja feito um novo pacto e para que possam realmente ter uma nova dinâmica de sala de aula. Fizemos também essa reflexão com os pais para que compreendam também melhor essas necessidades”, revela Esther. Neste cenário, professores e alunos serão desafiados a estimular a solução de problemas complexos de forma compartilhada e cooperativa. E os modelos pedagógicos vão, necessariamente, incluir o desenvolvimento das competências humanas de cooperação, adaptação e comunicação.

Muitas formas de aprender

O modelo educacional precisa levar em conta o modo como as pessoas aprendem. Os conteúdos necessitam fazer sentido e as práticas devem ser contextualizadas. É isso que Cezar, e outros educadores, defendem. “Não adianta querer impor nosso modelo antigo, acreditando ser o melhor. Foi melhor naquele contexto, isso não significa que será positivo para esta nova geração. Insistir nessa teoria é como querer abrir um disquete num aparelho de smartphone, impossível, são tecnologias incompatíveis”, compara.

Além do espaço físico e dos equipamentos tecnológicos, talvez a maior mudança esteja na abordagem do ensino. E, mais do que nunca, o papel do educador é fundamental. Dele é esperado, principalmente, que instigue as descobertas dos alunos. Ele deixa de ser um repassador de conteúdo para ser um grande orientador, provocado a estimular que seu aluno seja autônomo na construção do conhecimento, que desenvolva o pensamento crítico e a capacidade de solucionar problemas complexos.

Assim, é verdadeira a frase do filósofo Fernando Becker: a aprendizagem deve estar no centro das preocupações da escola, não o ensino; pois o ensino só tem sentido se lograr aprendizagem. “Nas últimas décadas, os educadores vêm sendo bombardeados com várias correntes pedagógicas que tentam explicar a melhor maneira de ensinar. Mas no fundo, a escola e a prática pedagógica precisam ser inclusivas, levando em conta as reais necessidades dos alunos, estar contextualizadas e considerar os estilos de aprendizagem de cada um. Talvez a neurociência aplicada a educação, seja um dos ‘novos caminhos’, além do uso das tecnologias educacionais”, afirma Cezar.

Novos rumos

Nem tudo são espinhos. Há flores, também. Para Cezar, esse período possibilitou o uso positivo das novas tecnologias a favor da aprendizagem e a aquisição e fortalecimento da resiliência e da capacidade de superação. Além disso, segundo o educador, houve a redescoberta do contato das mães e pais com o processo de aprendizagem dos próprios filhos, o que gerou uma melhoria na participação e engajamento das famílias com a escola e o aumento da percepção da sociedade sobre o valor do professor como mediador do conhecimento no processo de aprendizado. Estas tendências devem continuar.

E Esther complementa: “desse processo, tiramos um grande aprendizado: revisitar as práticas e construir a partir de uma consciência coletiva não podem ser ações realizadas apenas a partir de uma demanda pontual, reafirmando-se como um olhar perene que se estabelece na instituição. A construção do pacto pedagógico para viver essa nova escola presencial se dá pela consciência, pela atitude e pelo engajamento de todos os atores do processo educativo. E, dessa forma, de uma maneira investigativa e criativa, sair de um lugar de ansiedade e preocupação para uma experiência mais assertiva de aprendizagem e de ensino”.

Em resumo, seja qual for o rumo que a educação tomará daqui em diante, o primeiro passo é a presencialidade – e é ela que levará para a coletividade. Significa, nas palavras dos educadores, desconectar-se para conectar-se, buscar aprendizagens essenciais, aproveitar melhor o tempo didático e estabelecer uma nova consciência coletiva. Estamos todos convidados a inaugurar uma nova era, de inovação e mudança, utilizando novas formas de ensinar e aprender e verificando formas mais produtivas de realizá-las. O mundo pós-pandemia e a educação sintonizada com os novos desafios chegaram para preparar os jovens para a vida como ela é: inovadora, conectada, desafiante e, acima de tudo, compartilhada.


Leia ainda
Educadores articulam possíveis caminhos para um contexto pós-pandemia, repensando a utilização de tecnologias, metodologias pedagógicas, relações socioemocionais, aproximações entre escola e família e, sobretudo, a construção de pautas coletivas. Esse link traz reflexões de educadores e instituições de ensino da região sobre este novo momento, propondo estratégias para pensarmos e construirmos um espaço educacional que seja possível de ser trilhado por todos que compõem a escola, tornando-a singular e potente.



Por Juliana Martins Machado

Artigo anteriorReceitas com abóbora para entrar no clima do Halloween
Próximo artigoMelhor idade de Cotia conquista sete medalhas na 4ª edição do Jatio 2022